INTRODUÇÃO
A fração dos resíduos orgânicos urbanos e industriais, quando dispostos inadequadamente, trazem prejuízos consideráveis ao solo, à água e até mesmo ao ar, além de tornarem-se abrigos e fontes de alimentos para vetores de importância epidemiológica.
Observando-se a destinação final dos resíduos, os vazadouros a céu aberto (lixões) constituíram o destino final dos resíduos sólidos em 50,8% dos municípios brasileiros. Embora este quadro venha se alterando nos últimos 20 anos, sobretudo nas regiões sudeste e sul do país, tal situação configura-se como um cenário de destinação reconhecidamente inadequado, que exige soluções urgentes e estruturais para o setor. Contudo, independente das soluções e/ou combinações de soluções a serem pactuadas, isso certamente irá requerer mudanças sociais, econômicas e culturais da sociedade (IBGE 2010).
A partir do final da década de 1980, foram lançados os primeiros programas de coleta seletiva e reciclagem dos resíduos sólidos no Brasil, visando a tornarem-se alternativas inovadoras para a redução da geração dos resíduos sólidos. Desde então, comunidades organizadas, indústrias, empresas e o poder público têm sido mobilizados e, mais recentemente, com a implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (BRASIL, 2010), obrigados a separar e classificar os resíduos nas suas fontes produtoras, o que representa um avanço no que diz respeito ao tratamento e destinação dos resíduos sólidos e, consequentemente, na melhoria das condições ambientais.
A reciclagem ou reaproveitamento da fração orgânica dos resíduos agrícolas, industriais, urbanos e florestais pode ser realizado através de um processamento simples, denominado compostagem, podendo ser tratados em pequena, média e grande escala. A compostagem é definida como um processo de decomposição controlada, exotérmica e biooxidativa de materiais orgânicos por micro-organismos, com produção de dióxido de carbono, água, minerais e uma matéria orgânica estabilizada, definida como composto (KIEHL 1998). Este processo tem duas fases distintas: a primeira, quando ocorrem as reações bioquímicas mais intensas, predominantemente termofílicas; e a segunda, chamada de maturação, onde ocorre o processo de humificação da matéria orgânica.
Os produtos resultantes do processo de compostagem devem ter registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), assim como os estabelecimentos produtores também devem ser registrados pelo MAPA. A regulamentação desta classificação é regida pela Lei 6.894/1980 (BRASIL, 1980) e regulamentada pelo De-creto 4.954/2004 (BRASIL, 2004).
Os fertilizantes orgânicos são classificados de acordo com as matérias-primas utilizadas em sua produção (BRASIL, 2009):
O fertilizante orgânico composto possui macronutrientes (nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio e enxofre), assimilados em grandes quantidades pelas plantas, e também micronutrientes (ferro, zinco, cobre, manganês, boro e outros), necessários em menores quantidades. Quanto mais diversificadas as matérias-primas que constituírem o composto, maior será a variedade de nutrientes que ele poderá suprir. Estes nutrientes, ao contrário do que ocorre com os adubos sintéticos, são liberados lentamente, realizando a tão desejada “adubação de disponibilidade controlada”, em outras palavras, proceder à adubação com fertilizantes orgânicos permite que as plantas absorvam os nutrientes de que precisam, de acordo com as suas necessidades, ao longo de um tempo maior do que teriam para aproveitar um adubo sintético e altamente solúvel, que é facilmente lixiviado pelas chuvas e acaba causando eutrofização de corpos d’água. O fertilizante orgânico não só adiciona nutrientes ao solo em ritmo adequado, como também melhora sua “saúde” físico-química. Isso porque a matéria orgânica compostada liga-se às partículas minerais (areia, silte e argila), formando pequenos grânulos que melhoram a aeração e ajudam na retenção de umidade e na drenagem do excesso de água no solo, evitando a erosão. O cálcio presente no composto orgânico auxilia ainda na manutenção do pH adequado. Estas boas condições físico-químicas e nutricionais do solo estimulam o desenvolvimento das raízes das plantas, que se tornam mais capazes de absorver água e nutrientes. Além disso, favorecem a atividade de minhocas, insetos e micro-organismos desejáveis, equilibrando a vida no solo e reduzindo a incidênia de doenças nas plantas.
A maioria das usinas de compostagem do país utiliza o processo no qual a matéria orgânica, após separação dos materiais inertes, é disposta em montes nos pátios e recebem revolvimentos periódicos,visando à ̀aeração do material. Em nosso trabalho é utilizado um sistema de aeração forçada, realizando a montagem de uma leira estática de resíduos homogeneizados, sob uma tubulação perfurada que injeta o oxigênio no material, sem que haja a necessidade de revolvimento mecânico das leiras. Uma vez montadas, as leiras permanecem estáticas até o final da fase termófica, quando são encaminhadas a outro pátio para a realização da fase de maturação, onde ocorre a humificação do composto.
Neste processo, os insufladores de ar funcionam de maneira intermitente, durante a fase de bioestabilização, sendo necessário que a frequência da aeração seja dimensionada de acordo com os objetivos e com os tipos de resíduos utilizados na montagem das leiras. Como o dimensionamento da aeração é definido pela necessidade de
manter a temperatura entre 55°C e 65oC durante a fase termófica, o principal parâmetro monitorado neste processo é a temperatura, o que ocorre diariamente em dois períodos, pois as necessidades de aeração, para manter a temperatura nestes patamares, são muito superiores à estrita demanda de oxigenação do processo de biodegradação. Outra característica considerada, para a adoção deste sistema, trata-se do controle dos “maus-odores” resultantes da degradação da matéria orgânica, realizado por meio da utilização de um filtro biológico, sob as leiras de compostagem. Este filtro biológico é obtido pela reutilização do composto orgânico grosso, resultante do peneiramento final, que volta ao processo de compostagem.
O controle de temperatura é fundamental, por ser o principal fator indicativo do equilíbrio biológico, refletindo a eficiência do processo. A compostagem, neste sistema, ocorre em duas fases distintas, a mesófila, onde a temperatura varia de 25°Ca 45oC, e a termófila, onde a temperatura varia de 55°C a 65oC. Durante a fase mesófila, que deve durar um curto período de tempo, a temperatura da leira deve sair da temperatura ambiente e subir rapidamente até os 40°C a 45oC, sendo que, se a leira atingir esta temperatura entre o segundo e terceiro dia após a montagem, é sinal que o sistema está bem equilibrado e que a compostagem tem grande chance de ser bem sucedida. Caso contrário, é sinal de que algum ou alguns parâmetros físico-químicos (pH, relação C/N, umidade) não estão sendo respeitados, limitando assim a atividade microbiana. Depois de iniciada a fase termófila, é muito importante e necessário controlar a temperatura entre 55°C e 65°C, permitindo a máxima intensidade de atividade microbiológica e eliminando-se a maioria dos possíveis patógenos presentes.
Também é realizado um controle diário do teor de umidade no processo de compostagem, desde o momento da homogeneização das matérias-primas, passando pelas fases termofílicas e mesofílicas, garantindo a atividade microbiológica do processo, pois a estrutura dos microorganismos consiste de aproximadamente 90% de água e, para a produção de novas células, a água precisa ser obtida do meio. Para a montagem das leiras é considerado o balanço de massas de cada resíduo, por sua vez determinado após a análise do potencial agronômico e características físicas de cada resíduo. Em média temos uma composição de 30% de lodo de estação de tratamento de efluentes de produção industrial, 30% de resíduos de elementos filtrantes (terra diatomácea), 20% de material estruturante e 10% de resíduos de preparo de alimentos, o que possibilita que a relação C/N inicial da mistura encontre-se em torno de 30/1, sendo que, no momento da homogeneização dos resíduos, encontram-se valores diferentes para cada material e que variam de 20/1 até 80/1.
Legenda: Peneira e empacotaderia
Tabela 1
Parâmetros avaliados no processo de compostagem
Durante todo o processo de compostagem,o fornecimento de oxigênio pela aeração forçada, além de fornecer condições favoráveis à atividade microbiana, promove a remoção de gás carbônico, água e calor, resultando em redução do volume de fertilizante composto, produzido em relação à quantidade de resíduos utilizados na mistura inicial, conforme apresentado na tabela 2.
Tabela 2
Percentual de redução no processo de compostagem
Outro controle fundamental neste processo de reciclagem de resíduos orgânicos industriais refere-se à presença de substâncias inorgânicas (metais pesados) durante a avaliação do resíduo como matéria prima para a compostagem, porque as concentrações quando elevadas, podem inviabilizar a utilização segura do adubo na agricultura.
Tabela 3
Limites máximos para substâncias inorgânicas na matéria-prima
PRODUTOS FINAIS
O principal produto obtido por este processo de compostagem é um Fertilizante Orgânico Composto, desenvolvido para atuar no plantio e manutenção das plantas, como fonte de nutrientes, proporcionando melhora nas características físicas e químicas dos solos.
Os benefícios proporcionados com o uso desse fertilizante são: o aumento gradativo da Capacidade de Troca de Cátions (CTC) do solo, que influência o aumento da disponibilidade de nutrientes; o aumento da capacidade de retenção de água pelo solo; o enriquecimento do solo com macro e micronutrientes; e a melhoria na estrutura do solo, favorecendo o desenvolvimento das raízes e proporcionando um aumento na produtividade das plantas.
Os fertilizantes orgânicos devem apresentar informações referentes às suas garantias e especificações, no momento da solicitação do registro no MAPA. Essas informações, devem constar a natureza física do produto (sólido, líquido ou pastoso), juntamente com as especificações de macro e micronutrientes.
Exemplo de especificações
Deve ser realizado periodicamente,em laboratórios especializados, o controle da presença de agentes fitopatogênicos (Fusariumsp., Pythium sp., Phytophthora sp., Rhizoctonia sp. e, Sclerotiniasp), agentes patogênicos ao homem e animais (Salmonellasp, ovos viáveis de helmintos ecoliformes termotolerantes), presença de metais pesados tóxicos e ainda o controle de viabilidade de propágulos de plantas invasoras.
Limites Máximos de Contaminantes em Fertilizantes Orgânicos
Para que o composto orgânico atenda as características mencionadas, os resíduos orgânicos que servirão de matéria-prima somente são recebidos após análises laboratoriais que comprovem a caracterização de qualidade, potencial agronômico e a ausência de toxicidade de cada material.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A manutenção da fertilidade do solo e a disponibilidade de nutrientes na agricultura moderna são realizadas majoritariamente pela aplicação de fertilizantes industriais químicos, de alta solubilidade, garantindo a produtividade apenas em curtos prazos e com altos gastos energéticos. A adoção da adubação orgânica, em solos altamente explorados, é uma alternativa para a manutenção o e aumento gradativo da fertilidade destes solos. O fertilizante orgânico apresenta efeito imediato e residual na disponibilização de nutrientes às plantas, devido ao aumento da fração orgânica do solo e consequente aumento da capacidade de troca de cátions, o que permite a disponibilidade dos nutrientes às plantas, por um período maior, e indiretamente com maiores condições de resistência.
Utilizando a média de aplicação de 2 toneladas de adubação química por hectare para a maior parte das culturas, ao custo médio de R$1.200,00/tonelada, temos um gasto de R$ 2.400,00 apenas com a aquisição de fertilizantes que estarão disponíveis por um curto período de tempo às plantas, sendo que a adoção da adubação orgânica, estimando-se uma alta dose por área (10 toneladas/hectare), teríamos um custo de aquisição próximo à metade do valor da adubação química.
Além desses valores estimados, há um potencial de ganho econômico ainda maior, principalmente para as empresas que encaminham seus resíduos para compostagem, se forem avaliados e quantificados os seguintes aspectos ambientais da compostagem:
- a relação custo/benefício na destinação de resíduos;
- a reciclagem dos resíduos permite ações de marketing ambiental e fortalece a imagem das organizações, além de favorecer a obtenção de certificações;
- a redução aproximada de 50% do volume total de resíduos orgânicos produzidos e atualmente destinados a aterros. No caso das empresas, o índice varia de acordo com o tipo de atividade desenvolvida, sendo que em uma agroindústria, este percentual pode chegar a 100%;
- alivia a demanda por aterros sanitários, que estão sobrecarregados na maioria dos municípios brasileiros;
- reduz a emissão de poluentes e, em alguns casos, o uso de energia (combustível) no transporte de resíduos até o destino final;
- evita a geração de subprodutos com potencial poluente, como o caso do chorume e gás metano, produzidos nos aterros sanitários.
Por Fulvio Cavalheri Parajara
Eng. Agrônomo, Ecomark Ind. e Com. de Composto Orgânico Ltda / Corpus Saneamento e Obras Ltda. Mestrando em Biodiversidade e Meio Ambiente, Instituto de Botânica de São Paulo.